Longe da mentira e da inveja

A língua é um mal incontido. Incendeia a pessoa toda, diz Tiago 3. Assim, o nono mandamento visa, em parte, refrear a língua. Visa segurar a língua com a verdade, ensinando-nos a tirar toda falsidade e deixar toda mentira. Em nossa cultura, acusar alguém de mentir é um insulto muito sério, de modo que muitas pessoas hesitam em usar esse termo. Creio que essa hesitação revela o coração do homem que evita esse mandamento — como também a sua necessidade desse mandamento.

O que significa quando consideramos o mandamento “não mentirás” ou a palavra mentira algo deselegante? Provavelmente isso indica que, de algum modo, já estamos sombreando a verdade. Já estamos recuando de dar plena expressão ao que é bom, ao que é certo e verdadeiro. Esse nono mandamento nos convence disso. Ressalta nossa condição decaída quanto ao uso da língua e a destruição que a língua representa.

Do mesmo modo, o décimo mandamento, “Não cobiçarás”. Se você consegue imaginar o coração com mãos, cobiçar é como se o coração estivesse agarrando as coisas, desejando-as e apropriando-se de objetos que não lhe pertencem propriamente. O mais surpreendente e lindo em relação a esse mandamento — de fato, sobre toda a Escritura — é que, mesmo que o mandamento trate de algo interior (aquele agarramento interior do coração), também ressalta as implicações sociais desse tomar para si interior. Temos, então, que “não cobiçarás nada que seja do teu próximo”. Nem o cônjuge do teu próximo, nem seu gado, nem coisa alguma que pertença a ele”.

O décimo mandamento nos remete para um limite que nos protege contra o modo como a cobiça atravessa as linhas. Somos tentados a cruzar a linha dos desejos, de almejar as coisas que não nos pertencem. Atravessamos a linha da propriedade, tentando agarrar coisas que pertencem a outras pessoas (o boi do vizinho, a esposa do vizinho). Assim, nossa cobiça causa mal, socialmente, a nosso próximo. Nisso, há também outra linha que cruzamos. Quando cobiçamos, estamos dizendo que Deus não tratou sua criação com propriedade porque não nos deu tudo que desejamos. Assim, o coração, com seu modo caído, pecaminoso, busca coisas que não lhe pertencem e se agarra coisas que, na verdade, pertencem a outro lado da propriedade — ao próximo ou a Deus.

Tais mandamentos nos incitam, nos conclamam a dizer a verdade. Não apenas a dizer a verdade, mas a verdade dita com amor. Conclamam a refrear, a restringir, a canalizar o desejo por coisas que sejam justas e boas. Eles nos chamam para as coisas que Deus nos deu legitimamente para nosso prazer, para estarmos contentes com o modo que Deus usou para distribuir sua bênção, como ele governa sua criação. Chamam-nos para não sair do contentamento ao tomar coisas, pois, se o fizermos, destruiremos a sociedade, a cultura e nosso próximo. Isso é verdadeiro mesmo quando o ato de tomar aquilo que não nos pertence seja apenas uma tomada pelo coração.

Obs: Texto extraído e adaptado de: KELLER, Timothy. Catecismo Nova Cidade. Pergunta 12. São Paulo: Editora Fiel, 2017.